Moça, saí da sacada...

21 de novembro de 2015



Em meio à correria do dia a dia, ela sentou-se na beirada da sacada e por ali ficou observando a  coloração cinzenta das nuvens lá fora. Fazia frio, mas a sua blusa de lã e o chá em suas mãos resolveria qualquer mudança climática. A garoa insistia em cair desde cedo. Ela pousou a caneca em seu colo, e movimentou seus dedos numa suave e complexa sincronia. Poderia ser o cálculo de algo ou a representação de uma melodia que está em seus pensamentos, não tinha um movimento perfeito e qualquer pessoa imaginaria opções exequíveis, afinal, não precisava ser significativo, bastava ser importante para ela. O vento sopra mais forte, e por um descuido lá se vai o chá ao chão. Imediatamente seus dedos se inquietam. 


Confesso que não me contive em observar de maneira simples, gostaria de perguntar o que seria aquela sincronia, em entrar numa conversa sobre algo que queira conversar. Mas preferia somente observá-la de longe. Ela levantou-se. Talvez fosse busca um pano para limpar o chá derramado, ou estava sentindo frio e decidiu entrar. Poucos minutos depois, ela voltou. Mas dessa vez, sem caneca alguma. Em suas mãos percebi a presença de um pequeno vaso de vidro. O que faria com aquele objeto? Recebi a minha resposta instantes depois: ela jogara o vaso no chão, que se despedaçara em pedaços de todas as formas e tamanhos. Pegou o maior deles, e com a mão tremula, começou a corta-lhe os pulsos. Lágrimas escorriam de seu rosto, mas a dor dos cortes parecia doer menos do que a de seu coração amargurado.

Por minutos tentei imaginar o porquê dela ter feito aquilo. Talvez sofrera uma decepção, fora enganada, ou talvez sofrera uma desilusão amorosa. Qualquer um poderia imaginar opções viáveis, mas talvez decifrá-las seria um grande problema. O sangue que saíra de seus pulsos caíra sobre suas pernas, e escorriam até os seus pés descalços. Fiquei triste e com pena ao ver aquela situação. "Será que o seu problema não tivera solução?" "Será que ao menos tentou solucioná-lo?" Perguntas surgiam a todo instante em minha mente.

Após longos minutos transferindo a dor de seu coração para seus pulsos, ela jogara o caco de vidro ao chão e subira sob o corrimão. Retirou seu casaquinho de lã e o lançou aos quatro ventos. Demorei a entender a situação, mas quando me dei conta do que iria fazer, talvez fora tarde demais:

- Moça, saí da sacada...você é nova demais para brincar de morrer.



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